08 jun

Ricardo T. Neder

Faculdade UnB Planaltina

Coord. Observatório do Movimento pela Tecnologia Social na América Latina e Caribe

 

O CEAM – Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da UnB nos oferece o Fórum Internacional sobre a Amazônia, organizado pelo Núcleo de Estudos da Amazônia (NEAZ) para mobilização de pesquisadores e docentes, estudantes, gestores, pessoal técnico e fomento a fim de fortalecer a rede atual criada na Amazônia de instituições públicas de pesquisa e ensino. Convoca ainda aliados nos países latino-americanos com quem compartilhamos a Amazônia. Foi acreditando nesse potencial e não se deixando acuar pelos obstáculos, que um dos mais importantes cientistas brasileiros na área de doenças tropicais, Luiz Hildebrando Pereira da Silva (1928-2014) mudou-se para Rondônia após deixar o Instituto Pasteur na França, país que o recebeu como exilado político em 1969, após o AI-5.

Instalou em Porto Velho, um laboratório de pesquisa em biomedicina e parasitologia. Um dos índices internacionais mais elevados da malária tem sido registrados em Rondônia. No final do século passado, 97% dos casos de malária se deviam a ocupação desordenada da região incentivada por diversos órgãos governamentais, a construção de estradas, de usinas hidroelétricas, o desenvolvimento de projetos agropecuários sem as devidas contrapartidas na melhoria das condições habitacionais e infraestrutura urbana coerentes com a realidade tropical, a ausência de redes populares de saúde pública e familiar, e da medicina coletiva ou social. Hildebrando, de uma geração de pesquisadores engajados politicamente, encarava a ciência como uma plataforma de conhecimento para mitigar problemas tradicionais de saúde coletiva no Brasil, caso não só da malária, mas também da medicina preventiva em geral!

A Amazonia é uma realidade sobretudo latino-americana e a cooperação latino-americana geopolítica pode ajudar a realização de tarefas importantes no campo da política explícita de ciência e tecnologia para a região. Há cerca de 40 anos havia uma preocupação com a então chamada “tecnologia apropriada” para aplicação no Hemisfério Sul do planeta com sociedades de características predominantemente tropicais, (das quais emergem as primeiras civilizações há seis mil anos). Creio que para situarmos os dilemas dos países latino-americanos da Bacia Amazônica em torno da incorporação de programas científicos e tecnológicos com sustentabilidade dos povos ancestrais e os neoamazônicos, temos que fazer um percurso com uma curva que enfrente nossas relações com os mercados globalizados pelos países do Norte.

O Hemisfério Norte, vale lembrar, foi uma terra do gelo há 10 mil anos, desde então as mudanças climáticas não alteraram muito o fato de que ainda hoje quase 50% dos países do norte tem que viver sem produção de alimentos durante boa parte do ano. Em se tratando dos Trópicos, um ilustre docente da UnB, J.W. Bautista Vidal (Salvador, 1934-Brasilia, 2013), desenvolveu a tese na qual  discorre sobre a relação entre estado servil e nação soberana, para analisar o caso do Brasil como emergente protagonista de um processo de civilização solidária dos trópicos. Coincidente, até a emergência do neoliberalismo (1980) havia também o movimento internacional pela tecnologia apropriada (nascida na Índia com o partido de Gandhi que propôs uma industrialização apropriada que fosse baseada em cadeias produtivas locais e regionais, com grande aproveitamento da mão-de-obra qualificada e a qualificar,  nas aldeias e povoados para não lançar na miséria milhões de famílias trabalhadoras).

Em comum ambos defendiam que a tecnologia não poderia criar novas formas de colonização.  Bautista Vidal e José Hildebrando Pereira da Silva – para citar apenas dois dentre muitos pesquisadores latino-americanos – preocupados justamente com essa nova forma de colonização pelos tratados econômicos que amarram grandes pacotes aos conglomerados e corporações cujos sistemas sociotécnicos operam no dia-a-dia como  formas de dependência,  pois sua manutenção está regida por interesses tecnológicos e econômicos de países do Norte.

Romper estas formas de dependência segundo a tese de Bautista Vidal, tanto quanto na visão do então movimento pela tecnologia apropriada, eram necessárias três condições: inteligência criativa tecnocientífica, independência política e geração de um projeto nacional com condições para criar civilização solidária nos trópicos capaz reduzir o ainda hoje extensivo e crescente desemprego estrutural e o subemprego da maioria da nossa sociedade em idade de trabalhar.

Tanto Bautista Vidal e José Hildebrando, quanto o movimento pela tecnologia apropriada tem sido reinterpretados na atualidade do Séc. XXI, embora as três condições que defenderam estejam atualíssimas. A nova versão, no caso da tecnologia apropriada, nos leva a revisão desse movimento ao tomar emprestado da nova teoria da inovação tecnológica o fato que Bautista Vidal já tinha diagnosticado. Precisamos saber fazer a reinvenção ou desenvolvimento próprio da tecnologia que gera inclusão social, e isto é para povos ancestrais e os neoamazônicos uma construção diária!  Necessitamos respeitar a adequação sociotécnica de suas comunidade no comer, vestir, morar, casar, festejar e produzir tecnologias. Em outras palavras, sua capacidade de tornar o conhecimento tecnocientífico aplicado às soluções de inúmeros problemas e demandas sociais levando em conta experiências acumuladas das milhares de comunidades com seus próprios produtores populares, construtores de barcos, casas, objetos e soluções técnicas por artificies.  Para debater estas, e muitas outras prioridades relacionadas à água como um bem comum, a biodiversidade, florestas e conservação, além de mais de 15 grandes temas caros para a ação integrada da pesquisa e do ensino na Amazônia brasileira e latino-americana, se reúnem pesquisadores, diplomatas, gestores e políticos.  Docentes e estudantes de toda a Bacia Amazônica se deslocaram para a UnB a fim de dialogar e debater essas questões (v. programação completa: https://www.fiamazonia.org/).

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