14 mar

Programas de extensão do campus de Planaltina da UnB realizam seminário em Cavalcante promovendo apresentações e oficinas teatrais, debates e visita técnica em áreas de mineração e comunidades quilombolas Kalunga[1]

Por Rafael Litvin Villas Bôas e Caroline Siqueira Gomide[2]

Dando sequência ao ciclo de seminários de Tempo Comunidade da Licenciatura em Educação do Campo (LEdoC) promovidos na região de Cavalcante há mais de uma década, desde a criação do curso na UnB, em 2007, ocorreu entre 21 a 24 de fevereiro de 2019 mais uma atividade da Educação do Campo do campus de Planaltina da UnB, em parceria com as associações quilombolas do território Kalunga – Epotecampo, Associação Quilombo Kalunga (AQK) e Associação Kalunga de Cavalcante. Pela segunda vez o seminário é o resultado de dois cursos em alternância, a Ledoc e a Escola de Teatro Político e Vídeo Popular do Distrito Federal (ETPVP-DF).

A Escola de Teatro Político e Vídeo do Distrito Federal decidiu mudar a metodologia de funcionamento no ano de 2019. Para permitir que mais pessoas de diferentes localidades tenham a oportunidade de participar de nossos processos formativos organizamos a proposta metodológica da segunda turma de modo que o processo de oferta de atividades não demande presença constante nem pré-requisitos da pessoa ter participado de módulos anteriores para se inserir nos processos formativos da escola. Com isso conseguimos estender para Cavalcante, onde há dois grupos de teatro quilombolas Kalunga articulados ao programa de extensão e grupo de pesquisa Terra em Cena[3], um dos módulos de formação da segunda turma da escola. Se forma na segunda turma quem completar duzentas horas de atividades cursadas, distribuídas em módulos, seminários, ensaios, produção de vídeos, etc.

Na mesa de análise de conjuntura, o diretor do campus de Planaltina da UnB, professor Dr. Marcelo Bizerril refletiu sobre as potencialidades da alternância para democratização do acesso ao ensino superior:  “As universidades têm tentado atuar no desenvolvimento local de diversas regiões do país, mas penso que são os novos campi que mais têm contribuído em ampliar as ramificações e inserções das universidades nas comunidades. No nosso caso, a alternância cria a condição da presença dos sujeitos das comunidades dentro da universidade, e amplia o impacto da ação da universidade nos territórios, no desenvolvimento local e humano.”

Também presente na mesa a professora Dra. Eloísa Pilati, representando o Decanato de Ensino e Graduação (DEG) da UnB, como Coordenadora de Integração das Licenciaturas, fez um retrospecto positivo das políticas públicas desenvolvidas no ensino superior nos últimos quatorze anos: “Quero pontuar os avanços que tivemos nos últimos anos. Estou na UnB desde 1994. No curso de Letras, tínhamos só o curso de letras diurno. Depois ocorreu a ampliação para o noturno. A universidade passou por grande ampliação e democratização do acesso. Nos últimos quatorze anos tivemos as cotas, a criação dos Pólos da Universidade Aberta do Brasil (UAB), os programas de iniciação à docência, o PIBID e Residência Pedagógica. Passamos por momentos de transformação nas licenciaturas por meio de políticas públicas de renovação e de indução de transformações relevantes. Por exemplo, a questão do estágio foi melhor estruturada dentro da carga horária de formação e passou para 400h. A questão dos programas de iniciação à docência também é muito importante: o professor da UnB, o professor supervisor na escola, e os estudantes da universidade recebem bolsa, pesquisam e atuam em conjunto. Todas essas foram políticas importantes a ampliação do acesso à universidade, para a atualização dos projetos político-pedagógicos das licenciaturas e para a promoção de maior diálogo entre a universidade e a escola”.

Representando o Decanato de Extensão da UnB o Diretor Técnico de Extensão, professor Dr. Alexandre Pilati avaliou que “a Extensão vive hoje um momento importante de ajudar a universidade brasileira a repensar seu papel histórico e a assumir a responsabilidade verdadeira na construção e execução de um projeto nacional soberano e popular. Eu acredito que a escola pública brasileira, por mais contraditório que seja o cenário, ainda é o terreno em que conseguimos ter a vivência de uma idéia de democracia. Não é a toa que o projeto de militarização está acontecendo com as escolas públicas, isso é o impulso de controle da potência democrática das escolas. A crise da educação do Brasil não é crise, é um projeto”.

A mesa de análise de conjuntura contou também com a presença de lideranças comunitárias de associações quilombolas, muitas delas professoras e professores formados na Licenciatura em Educação do Campo da UnB, como Maria Lucia Godinho, presidente atual da Epotecampo, que relatou a ampliação da organização social no quilombo a partir das parcerias com as universidades e informou a intenção de construção de uma Escola Popular Kalunga, que possa sistematizar as demandas e articular as parcerias com as diversas universidades e institutos para que as equipes de pesquisa e extensão possam desenvolver projetos com as comunidades quilombolas Kalunga visando a preservação ambiental, o desenvolvimento econômico e o fortalecimento da organização social e cultural do território.

Por decisão dos integrantes dos grupos de teatro VSLT e Arte Kalunga Matec, integrantes da comissão organizadora, decidimos realizar as apresentações teatrais em espaços abertos da cidade, e não mais no mesmo local em que estaria ocorrendo o seminário, as oficinas e os laboratórios. Desse modo, as peças do Coletivo Fuzuê foram realizadas na praça do Fórum (Experimento Confere) e na Feira do agricultor (Experimento Fuzuê), e a peça do Coletivo quilombola Vozes do Sertão Lutando por Transformação (VSLT) foi apresentada na praça Primavera, no bairro da Vila.

Segundo Raiane Gonçalves – formanda na oitava turma da Licenciatura em Educação do Campo da UnB, a turma Ganga Zumba, integrante do coletivo VSLT e autora da monografia de conclusão de curso “Teatro político como luta emancipatória das comunidades tradicionais” – o público da cidade elogiou as três peças e várias pessoas começaram a procurar o VSLT interessadas em participar do grupo. Há depoimentos de pessoas que alegaram ter mudado de opinião a respeito da mineração após terem assistido a peça “Se há tanta riqueza por que somos pobres?”, conta Raiane. A peça apresenta e discute os prós e contras do modelo de exploração vigente e a conveniência de sua entrada na região. Ao final uma envolvente assembleia é realizada misturando o elenco ao público e a decisão é por rejeitar que esse modelo adentre ao território e as comunidades.

De acordo com os coordenadores do VSLT Ana Leda e Carlos Conceição, organizadores do módulo em Cavalcante “o módulo em Cavalcante, foi um grande salto na formação política dos grupos de teatro, reforçando as nossas pautas. Foram muito  importantes e produtivas as oficinas, as apresentações teatrais,  a convivência. No módulo 2 o nosso coletivo pôde identificar com qual teatro trabalhamos, aprendemos técnicas  novas para  trabalho no coletivo  VSLT.Nossa avaliação é que foi um espaço de muita produtividade, organização social e crescimento intelectual. Foi uma sacada muito boa os professores trabalharem a teoria, junto com os movimentos, construção de cenas, facilitando esse primeiro contato. Outro saldo positivo foi os grupos de teatros fazerem os espetáculos em espaços públicos abertos, quebrando uma parede e proporcionando que a comunidade assistisse as intervenções. Analisamos que esse foi um dos mais produtivos espaços de diálogo com a linguagem artística e pensamento dos grandes pensadores do teatro político”.

No último dia da atividade foi realizada uma visita guiada em áreas de mineração que ocorrem na região. A visita teve início em frente à mineração Penery, mineradora de ouro (hoje desativada), que pertence a essa empresa desde 1998. Porém, o histórico de mineração da área remonta a 1740 quando se inicia a extração artesanal de ouro na região.

A partir de 1970, a área começa a ser explorada como garimpo subterrâneo e na década de 1980, empresas privadas passam a controlar a área a partir da concessão de lavra e as galerias se aprofundam até 70 metros. Existem estudos que atestam que o minério de ouro da Mina Buraco do Ouro, nome que a área é conhecida, está associado à mineralização de prata e de elementos do grupo da platina (utilizado, principalmente, na indústria automotiva, indústria química/petroquímica, indústria joalheira, indústria do vidro, indústria de materiais odontológicos e materiais medicinais).

Foi na mina Buraco do Ouro que um grupo de pesquisadores do Instituto de Geociências da Universidade de Brasília (Nilson Botelho e colaboradores) identificou um mineral de ocorrência única no mundo, que recebeu o nome de Kalungaíta.

Durante a visita, foi abordado o histórico da mina, foram apresentados os principais processos que ocorrem no espaço da mineração (da extração ao beneficiamento) e a exposição dos riscos e impactos que a cidade de Cavalcante está sujeita. Também visitamos a área de estocagem e britagem do minério de manganês, explorado em áreas da mina em operação localizada em região vizinha ao território quilombola Kalunga, utilizando-se das estradas que ligam a cidade à algumas comunidades do território, degradando a estrada, como foi possível presenciar no caminho para a comunidade Engenho II.

Ao final da visita, o grupo visitou a comunidade Engenho II, conheceu a cachoeira da Capivara e assistiu a uma breve apresentação da comunidade, da escola e das atividades de turismo que os moradores gerenciam na região do quilombo.

Cavalcante reduz, em escala particular, as contradições da desigualdade brasileira. A despeito de ser um território rico em minérios, em recursos hídricos, em fauna e flora, tem um dos menores IDHs dos municípios brasileiros. Apesar de ser a cidade que abriga em seu distrito a maior parte dos 254 mil hectares do quilombo Kalunga, o maior do Brasil, essa memória não se reverte em presença efetiva nos postos políticos e na consciência racial da maioria da população.

Todavia, essa é uma realidade que está sendo modificada de forma acelerada: no final de 2018 a cidade abrigou o primeiro encontro de estudantes universitários quilombolas, as associações comunitárias estão em nível crescente de organização e participação, a presença dos grupos comunitários de teatro, audiovisual e manifestações de cultura tradicional kalunga têm aumentado, e cresce em escala exponencial a quantidade de professores quilombolas Kalunga formados nos cursos da UnB, UFG, UFT, do IFG e da UEG. O poder público municipal, reconhecendo essa dinâmica crescente, mantém aberto o pólo da Universidade Aberta do Brasil para receber os cursos e seminários promovidos pelas universidades, o que amplia em muito as possibilidades de formação e realização de atividades diretas com as comunidades, articulando as dimensões do ensino, pesquisa e extensão no território.

 

Planaltina, 06 de março de 2019.

[1]A atividade é parte integrante do projeto contemplado pelo edital EDITAL Nº 01/2018 PROGRAMA DE EXTENSÃO EM EDUCAÇÃO, TRABALHO E INTEGRAÇÃO SOCIAL do Decanato de Extensão (DEX) da Universidade de Brasília, resultado do acordo entre a UnB e o Ministério Público do Trabalho (MPT) no PAJ 000608.2009.10.000/8-01.

[2]Professores do campus de Planaltina da UnB. Coordenam respectivamente os programas de extensão Terra e Cena e Território Kalunga. Integrantes do Colegiado de Extensão da FUP.

[3]Mais informações podem ser obtidas no blog www.terraemcena.blogspot.com

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