19 mar

Criada para capturar pessoas escravizadas que, afirmando sua humanidade, recusavam-se a total objetificação a qual eram submetidas. Serviço sem nenhum glamour, mas absolutamente necessário para a manutenção da ordem estabelecida. Séculos de atuação e essa função foi aprimorada e estatizada para controle e eliminação dos mesmos alvos: pessoas negras insubmissas, pessoas negras desviantes, pessoas negras simplesmente.

Não. Os capitães do mato não atuaram na noite de 14/03/2018 a serviço da intervenção militar na cidade do Rio de Janeiro. Também não agiram ontem à noite e em todas as noites e dias anteriores por causa da atual conjuntura política. Fizeram o que fazem há séculos: executaram uma pessoa negra inconveniente, que ousou pensar e falar o que pensava; que ousou lutar e identificar – em alto e bom som – aqueles que são incansáveis para matar e encarcerar pessoas negras.

Às pessoas sensíveis e bem intencionadas: não foi feminicídio. Marielle Franco foi executada por ser uma pessoa negra, por ser uma pessoa negra militante. Cláudia Silva foi assassinada por ser uma pessoa negra. Amarildo foi assassinado por ser uma pessoa negra. Não há questão de gênero nisso. Há racismo.

Todos os dias, dezenas de corpos negros tombam. Não são militantes sociais, não são defensores de DH, nem líderes comunitários. Podem estar em um carro, andando pelas ruas, em casa, na escola, na porta de uma igreja… Crianças, adultos, adolescentes, velhos, LGBTQ, héteros, pobres ou não. São apenas corpos negros.

O ser negro antecede qualquer outra qualificação. Nessa quinta-feira, 15/03/2018, quero crer que os setores de esquerda não tomarão o cadáver de Marielle para transformá-lo em mártir, em prova da truculência do Estado para com os militantes de esquerda.

Não questiono e nem duvido da truculência do Estado brasileiro. Afinal, como pessoa negra conheço sua atuação. Os capitães do mato continuam agindo dia e noite.

Quero crer que, quem diz se importar com a execução de Marielle, não cometerá outro crime secundarizando sua negritude, usando essa negritude como um adendo…

A negritude de Marielle está no centro de sua execução. Esta vereadora na dolorida cidade do Rio de Janeiro deu visibilidade a sua execução. E devemos à Marielle usar dessa visibilidade para denunciar o genocídio do povo negro no Brasil.

Sem dúvidas ser defensora dos DH a fez alvo (os números dos assassinatos de defensores de DH no Brasil são alarmantes, soube de três só esta semana: Marielle, Anderson e Paulo Almeida).

Entendam: no Brasil, quando uma pessoa negra é assassinada, a motivação é racial.

Os capitães do mato estão aí.

Continuam aí.

A mais antiga profissão do Brasil.

Texto por Joelma Rodrigues:

Graduada em Licenciatura em História e mestrado e doutorado em História pela Universidade de Brasília, atualmente é professora Adjunta, na Faculdade UnB Planaltina, do curso de Licenciatura em Educação do Campo (LEDOC) e do Mestrado Profissional em Sustentabilidade para Povos e Terras tradicionais (MESPT), no Centro de Desenvolvimento Sustentável-CDS/UnB. Tem experiência na área de Filosofia, atuando principalmente nos seguintes temas: gênero, feminismo, mulherismo afrikana, família.

 

 

 

 

Deixe um Comentário